A dor da perda exige tempo para doer. Saber não é ainda sofrer.
Nos despedimos de alguém por fora, pelas palavras, mas demora para nos despedirmos por dentro, pelo silêncio e pela saudade. Demora para nos desapegarmos pelos hábitos e pela rotina. Demora muito tempo para uma ferida encontrar a saída.
Uma coisa é dizer adeus, outras é não ter mais como telefonar ou visitar ou abraçar ou beijar ou partilhar uma casualidade fora de hora. Ficar sozinho é muito mais fundo do que falar sozinho.
Há conversas que só poderiam ser feitas com um ente que não existe mais. Com o confidente, morrem os nosso segredos. Morre parte de nossa intimidade. A voz prosseguirá apartada dos ouvidos prediletos.
Quando um amigo enfrenta a morte de um pai ou de uma mãe, não arrisco a elogiá-lo dizendo que está reagindo com coragem. O susto da notícia não é a dor. A surpresa é apenas o começo do luto.
Os dias serão definitivamente diferentes dali por diante. Os sonhos serão as únicas lembranças novas daquela relação.
Por mais que a morte signifique um alívio, com o fim do sofrimento da pessoa amada, sentiremos a falta bem depois. Nenhuma justificativa preencherá a lacuma. Nenhuma religião amenizará a violência de não mais ver e ser visto.
A dor explodirá depois, quando ninguém mais comentar o assunto, quando todos continuarem com sua urgências e o funeral já não provocar condolências.
A esperança confunde nas primeiras semanas, nos primeiros meses, nos primeiros anos, pois ela ainda se alimenta de um passado recente. Complicado quando a esperança também vai se apagando, e você percebe que o “até um dia” dito pelo padre era uma metáfora, não acontecerá nessa vida, que não terá a chance de dizer mais nada, de repor mais nada. Por isso que os familiares retardam ao máximo a visita à lápide querida, realmente acreditam que o morto surgirá de repente e que tudo foi um engano.
O velório e o enterro não machucam tanto porque se tem o corpo perto para chorar. O difícil é a lágrima na distância, a lágrima sem pele nenhuma pela frente, a lágrima órfã, a lágrima no futuro.
Triste não é seguir atrás do caixão até a terra, no cortejo melancólico pelos corredores de pedra, apoiado pelos colegas e conhecidos. É seguir à frente do caixão na próxima década, após o portão do cemitério fechar, tendo que cobrir um nome com as próprias lembranças e se virar com as perguntas.
A verdadeira dor da perda é falar sozinho. Enfrentar a loucura de falar sozinho.
O texto foi extraído do livro Cuide dos Pais Antes que Seja Tarde cujo autor é o poeta Fabrício Carpinejar
SOBRE O AUTOR:
Fabrício Carpi Nejar, ou Fabricio Carpinejar, como passou a assinar a partir de 1998, é um poeta, cronista e jornalista brasileiro.
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