Leia ouvindo: Jealous – Josh Daniel
E lá se foram seis meses desde sua partida.
Ela tinha vinte e sete anos quando se conheceram e trinta e cinco quando recebeu o diagnóstico. Era formada em Psicologia, mas abandonou a carreira para cuidar dos filhos na primeira infância.
Entre a descoberta e o dia da partida foram quase dois anos. Quando ele voltou para casa, após o enterro, não teve tempo de chorar, pois os dois filhos, uma menina e um menino de seis anos e dois, precisavam do banho e do jantar.
Naquela noite, levou os dois para dormirem em sua cama, deitou-se no meio, com um de cada lado. Fizeram uma prece e esperou os pequenos caírem no sono. Pela primeira vez viu-se sozinho com eles.
Ao acordar, os dias passaram a ser, definitivamente, diferentes. Logo cedo, viu-se em pé, na cozinha, abrindo o armário e procurando onde estaria a mamadeira. Pensou também no almoço. O que eles iriam comer? Será que as roupas eram suficientes? Teria de comprar novas? Assumiria o protagonismo que nunca fora dele. Precisava de planejamento!
Não viu o tempo passar, ficou imerso na rotina e no dever de cuidar. “Eu preciso estar ao lado deles. Eu preciso dar força. Eu preciso cuidar dos meus filhos. São eles que estão tristes e perdidos. Foram eles que perderam a mãe” . A ele restou ser o alicerce perdido e a sustentação do cuidado durante os últimos seis meses.
Acordou. Era aniversário dela! Foi até o banheiro, escovou os dentes e lavou o rosto. Ao olhar para o espelho, viu-se pela primeira vez após a partida. Precisava fazer a barba, ela não gostava. Precisava cortar o cabelo também. Apoiou as mãos na pia e ficou olhando seu reflexo por algum tempo. Pensou em como sua vida havia virado de ponta cabeça. Queria estar com ela, dar um abraço e sentir o coração bater novamente.
O alarme tocou. Era preciso também acordar as crianças, dar o café da manhã, trocar e levar até a escola.
Após deixá-las, lembrou-se de que não voltará ao cemitério. Fez um caminho diferente. Passou em uma floricultura, comprou um botão de rosa vermelho, igual ao que sempre dava em dias aleatórios, e foi ao seu encontro.
Ao chegar, caminhou em direção as escadas. Subiu-as lentamente, com a cabeça baixa, sentindo um peso nas pernas. Avistou o gramado, cortado por um grande corredor com pedras portuguesas. Fixou o olhar em seus pés enquanto caminhava e observava o desenho do piso. Distraiu-se passando a sinalização da quadra e número e só tomou o rumo novamente quando o funcionário apontou o trajeto. Sentiu o coração acelerar e a respiração pesada conforme se aproximava. Foi quando leu o nome dela e a dor explodiu em seu peito. Toda a emoção guardada, a cada lágrima que escorria em seu rosto, foram colocadas para fora.
Com a rosa na mão direita, ficou ali parado até conseguir levantar a cabeça olhar para o céu azul, limpo e com poucas nuvens. Sentiu o calor do sol no rosto e conversou com ela. Falou sobre a saudade que sentia, a dificuldade de se ver sozinho com os dois e o peso de ter que fazer tudo. Conversou sobre as crianças, como foi o início na escola e como eles estavam se alimentando. Era aniversário dela e ele contou que compraria um bolinho para cantar parabéns com as crianças e comemorar como gostavam de fazer.
Olhou para céu novamente, ofereceu a rosa, ajoelhou e a colocou ao lado da placa com o nome dela.
Levantou-se devagar, arrumou os óculos, enxugou as lágrimas e respirou fundo. Foi se afastando com o olhar fixo no horizonte. Sentiu um cansaço e um alívio no peito.
Ao reencontrá-la, finalmente, ele entendeu que também poderia chorar.