De repente, o Francisco aparece ao meu lado, cutucando levemente meu ombro. Então, paro o que estou fazendo, olho para ele e digo “oi, o que você quer?” Ele disfarça com um sorriso e me olha fixamente, franzindo a testa, e diz que é um Velociraptor…
Em tempos de pandemia e home office, sou interrompido diversas vezes durante o dia pelos mais variados motivos. Respiro… Repasso mentalmente tudo que tenho para fazer, as prioridades, encontro um tempo.
É importante encontrar tempo.
“Quero fazer uma batalha”, diz ele e para me convencer diz que eu posso escolher qualquer dinossauro. Ele conhece todos. Já eu preciso buscar na memória. Respiro… Penso nos filmes que já vi. Indiana Jones? Não, esse não tem dinossauros. Espera um minuto, Jurassic Park 1, 2, 3. Sem perder mais tempo, faço uma escolha segura, digo que serei um T-Rex e seguimos para a cama, cenário escolhido para a batalha. É mais seguro. Espero ele se posicionar em uma das pontas da cama para, em seguida, partir para o ataque. Surpreendido, ele cai sobre os travesseiros. Envolvido em abraços disfarçados de ataques vorazes, ele se esforça para desvencilhar-se.
Quando consegue finalmente escapar, se levanta rapidamente dizendo que agora é um Indoraptor, um dinossauro híbrido composto da mistura de DNA de Velociraptor com o DNA da temível Indominus rex, com inteligência e ferocidade imbatíveis. Em nossas batalhas é normal mudarmos de dinossauro ou adquirirmos outra forma de acordo com a evolução do confronto. São também normais os abraços disfarçados.
Aguardo ele terminar de descrever o Indoraptor antes de continuarmos. Seguimos “fazendo” uma batalha daquelas de cinema. Por um momento tenho o controle da situação. Mantenho ele imobilizado e, cobrindo-o de beijos digo que não há saída. Ele não tem chance. Agora faço cócegas com as garras do T-Rex. Ele se contorce, rindo e diz que isso não vale e reúne todas as suas forças para conseguir escapar. Já estou cansado, “facilitando” as coisas para ele. Sou jogado para longe, parando do outro lado da cama. Peço um tempo para respirar, aproveito para pensar em uma alternativa, digo que agora sou um estegossauro mutante com garras enormes (foi a primeira coisa que me veio à cabeça).
Ele pára por um segundo, imaginando o “dinossauro mutante” que eu havia me transformado e diz, fazendo cara de mal, que agora é o Hulk.
“Poxa filho, dessa vez você apelou. Hulk? Ele é um dos Vingadores! “
Eu não tenho a menor chance contra o Hulk. Ao final, sigo caído enquanto Francisco diz em voz alta: “Hulk esmaga!”
Tive que apelar para as cócegas. Ele se contorce novamente e ri. Diz que não vale. Então abraço e dou-lhe um beijo. Digo que preciso voltar ao trabalho e que teremos tempo mais tarde antes de dormir.
É importante encontrar tempo.
Ele me abraça, concorda e levanta correndo para a sala. Então volto ao que estava fazendo no trabalho e já sentado diante da mesa e computador, respiro. Com um leve sorriso no rosto repasso minha agenda e rota do dia. Sigo agora com leveza, sintonizado no presente e no que tenho que fazer. Entre uma planilha e outra, textos, apresentações, uma pequena pausa para um café eu penso no dinossauro que vou escolher mais tarde.
Eu sempre ganho nossas batalhas mesmo perdendo sempre.