Este é um relato assinado por Rafael e Elisangela, pai da Maria Clara
e mãe da Marina, respectivamente.

Elas se conheceram no primeiro dia de aula e, de cara, ficaram melhores amigas para sempre.

A imagem que ficará sempre guardada em nossas lembranças é o encontro diário das duas que, ao se verem na entrada da escola, correm e se abraçam como se não se vissem há dias.

Nos desculpem os estudiosos que explicam que a amizade faz com que os pequenos aprendam a conviver com os outros, a dividir brinquedos, a lidar com diferenças, a criar empatia e respeito pelo próximo. Dizem que eles também passam a entender, na prática, o conceito de colaboração destacando que são habilidades socioemocionais importantes para a sobrevivência no século 21 e que podem fazer diferença no futuro.

Não é sobre essa amizade que falamos, estudada dentro de uma sala fechada, sendo medida pelas habilidades geradas pelo convívio diário.

Amizade real, definitivamente, não tem nada a ver com isso. A amizade a qual nos referimos não pode ser estudada, e não tem idade mínima para surgir. Tem relação com amor, com a forma simples de ver a vida.

Como nasce uma amizade?

Acreditamos que inicialmente nos aproximamos pelas afinidades, interesses comuns e de repente passamos a ver esta pessoa de forma diferente. Por meio de pequenos gestos e confissões nascem as amizades.

Não temos a resposta para essa pergunta e resolvemos perguntar para as meninas:

Rafael: Quando você ficou amiga da Marina?
Maria Clara: A Marina disse que foi na festa junina, mas eu acho que foi no primeiro dia de aula. Faz muito tempo, papai, somos amigas faz muito tempo.

Elisangela: Quando você ficou amiga da Maria Clara?
Marina:Faz tempo, desde o Toddler, não me lembro.

Não há uma explicação ou regra. É uma sementinha que começou a germinar dentro de cada uma. Em um solo onde não existe nenhum outro motivo para que isso aconteça senão a estranha e misteriosa sensação do “você me faz bem, quero ter você sempre perto de mim”.

Ao observá-las não conseguimos compreender a essência desse sentimento.

Como se cultiva uma amizade?

Ao decidir mudar a Maria Clara de escola o único ponto que nos levou a repensar a decisão foi a amizade entre as duas. Recordarmos a apreensão da Micaela em ter que contar para a Elisangela que as duas não iriam mais estudar juntas.

Por um ano a Maria Clara estudou em outra escola. Enquanto escrevíamos perguntamos a ela como foi ficar este período longe. Ela olhou séria, franziu os olhos, e disse que foi um ano difícil. Em seguida disse que se lembrava da Marina todos os dias quando lia os livros que ela ganhava da Marina todo mês.

Neste período não havia um só dia em que a Marina não tocava no nome da melhor amiga.

Nos esforçamos para que as duas não perdessem o contato. O que nos preocupava logo deixou de ser uma preocupação. A distância entre as duas nunca afetou a intensidade da amizade.

Quando o avô paterno da Marina faleceu, tivemos que explicar o que havia acontecido para a Maria Clara. Ela ouviu com atenção, não fez nenhuma pergunta e depois de ficar um tempo pensativa foi para o seu quarto. Antes de sairmos ela nos pediu para entregar o desenho/colagem abaixo para a Marina.

Em outro dia conversávamos sobre a amizade entre as duas e a Marina surpreendeu com a seguinte cena:

Quando entrei no quarto dela pela manhã, o colar de “melhor amiga”, que a Maria Clara deu a ela anos atrás como símbolo da forte ligação entre as duas, estava ao lado de sua cama, com seu anjinho da guarda.

Não sei em que momento da noite ela se levantou, muito menos o que a levou a fazer isso. Resolvi respeitar e não perguntei. Ao entrar no quarto de manhã, ver o seu anjinho envolto ao colar nos emocionou. Uma atitude simples, sensível, dentre outras tantas que nos emocionam ao lembrarmos.

Em uma das nossas viagens à praia, observo a Marina caminhando e recolhendo conchinhas. Após recolher um punhado ela se levanta e com as duas mãos cheias diz que iria levar para a Maria Clara. Desde então nunca voltamos de uma praia sem trazer uma série de conchinhas, colhidas uma a uma, por ela própria.

Nas primeiras férias da escola, em alguns momentos cheguei a flagrar a Marina brincando com a Maria Clara “imaginária”. Nesse período, as duas não conseguiam se ver com frequência. Maria sempre foi sua melhor companhia, independente de estar por perto.

Recentemente fomos conhecer a Cordilheira dos Andes, uma das paisagens mais fantásticas da América do Sul. Estávamos contemplando, sentindo aquela energia sensacional que o local transmitia (e aquele frio abaixo de zero) quando a Marina perguntou pela Maria Clara, se eu tinha notícias dela. Respondi que não. Ela em seguida baixou o olhar, ficamos um tempo em silêncio até que ela se levantou e foi buscar uma pedra para entregar a melhor amiga. Continuei em silêncio observando ela enquanto se abaixava e escolhia um pedra. Talvez como uma forma de passar para ela aquela energia que estávamos sentindo.

E o futuro?

Não temos controle sobre o futuro, ninguém tem.

Acreditamos que moldamos ele agora no presente e elas estão fazendo isso do jeito delas.

As duas estão crescendo e um dia vão deixar de ser crianças, irão compartilhar não só os sorrisos, as brincadeiras inocentes e as gargalhadas de hoje, como também as tristezas da vida.

Elas irão crescer, um dia poderão contar com o ombro uma da outra. Dividirão os os medos, as inseguranças e as ansiedades, dificuldades essas que nem eu, nem você, jamais saberemos. Porque tem coisa que só a melhor amiga sabe.

Talvez não se vejam mais todos os dias na escola e não poderão se abraçar diariamente, com a mesma intensidade de quem passou anos sem se ver.

Seguirão caminhos diferentes, ou não. Cada uma vai escolher o seu futuro. Quem sabe uma na área de exatas, a outra de humanas. Pode ser que uma faça medicina, a outra artes plásticas.

Pode ser que uma se case e tenha filhos, a outra não. Sim ou não.

Mas algo é certo: sempre que se encontrarem, passe o tempo que passar, o abraço do reencontro será com a mesma intensidade dos abraços de hoje.

Nos perdoem os estudiosos, mas amizade tem a ver com amor.

Que as duas continuem semeando esta amizade. Nós continuaremos acompanhando de camarote.

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