A gente aprende a ser pai sendo.

Amadores

Nos primeiros meses da minha primeira filha, estávamos perdidos e nervosos e absolutamente exaustos, como as fotos da época comprovam. Eu e a Ana magros, com olheiras e roupas amassadas. Ninguém sabe o jeito certo de criar uma criança nos primeiros meses de vida, a não ser todas as outras pessoas do mundo, cujos conselhos são tão constantes quanto inúteis. “Tem que dormir com vocês na cama”, “Não pode dormir com vocês na cama”, “Tem que dar leite o tempo todo”, “Apenas de três em três horas”, “Chupeta é maravilhoso”, “Não ofereça chupeta para esta criança que isso é um crime”. Dava pra ver como as outras pessoas olhavam pra gente e pensavam: “Que amadores!”.

Estávamos cansados de virar todas as noites e passar os dias sem saber se o choro era cólica, fome, sono, calor ou fralda suja. Nosso choro era de sono e fome, certamente. Estávamos emocionalmente equilibrados, entre amigos que tiveram experiências muito piores (bebês que choraram por três meses sem parar) e por amigos que tiveram experiências muito melhores (“Nossa filha só dormia e dava risadas fofas”). Invejosos, cortamos relações com esse segundo casal.

Tudo era um caos naqueles primeiros meses, e, mesmo quando estava tudo bem, ainda corríamos pro berço pra ver se nossa filha estava respirando. Amadores. Tentando fazer minha filha dormir, de madrugada, me sentia o homem mais poderoso do mundo quando conseguia. Pensava: “Peguei a manha!”. Mas, na noite seguinte, não valia aquela manha, tinha que inventar uma outra manha, barriga pra baixo, musiquinha nova, a mãozinha da Anita segurando meu dedo mindinho. Cada noite era uma aula, uma faculdade de como aprender a ser pai. Sem professor nem teoria. A gente aprende a ser pai sendo. Amando.

Mês passado, pegamos um avião em família. As meninas adoram quando tem televisão, adoram a hora do lanchinho, eu levo sempre um livro de atividades, passamos um tempo colorindo e desenhando. A minha filha menor nem tem derrubado mais o suco. Na poltrona da frente um casal de pais novos, um bebê de dias no colo. Estavam voltando de Porto Alegre para a cidade onde vivem hoje. Estavam atrapalhados com a bolsa, os panos, a mamadeira, o chocalho e o bebê, que não parou de chorar durante todo o voo. Eu e a Ana nos olhamos, sorrimos um para o outro. Silenciosamente, pensamos juntos: “Amadores”. ‎

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