Todo dia às 04:30, acordo, tomo consciência do meu corpo, de como estou me sentindo, então respiro, encho o peito de ar…

Levanto, escovo os dentes, tomo banho, faço o meu ritual com o café e, neste momento,consigo escutar o silêncio. aliás, o café sempre tem a companhia da leitura de um livro ou de uma poesia, já, em outros, da escrita. Entre um gole ou outro de café verifico a agenda, confiro o lanche e o uniforme da escola que separamos no dia anterior, preparo o leite com chocolate para as crianças, às vezes, faço um bolo ou coloco para assar um pão de queijo, mas, na maioria das vezes, eles preferem um pão na chapa. cada um tem o seu iogurte e fruta preferida. Arrumo a mesa e deixo tudo pronto para eles. volto para a cozinha, escolho o que vai ter no almoço, separando as marmitinhas que cozinhamos no sábado anterior.

Olho para o relógio, ainda é cedo, dependendo de como estou me sentindo, coloco uma música, faço mais um café e sento no sofá. sempre no mesmo lugar de onde fico olhando o efeito que a luz do sol, que está nascendo, faz ao entrar da sacada pelo meio da cortina.

Chega seis horas, vou acordar as crianças. caminho até o quarto, abro a porta e, enquanto abro a janela, deixando o sol entrar, digo “bom dia, vamos acordar, tá na hora”. ajudo a Maria Clara levantar e, assim, tem dias que ganho um abraço dela. peço para ela ir lavar o rosto e escovar os dentes, seguimos conversando, “o café está na mesa e hoje tem bolo”. Depois, pego o Francisco no colo. Às vezes, penso “até quando conseguirei carregá-lo? Escolhemos um desenho na tv enquanto nos acomodamos e sentamos à mesa, tomo meu segundo café e ouço, às vezes, “papai eu só quero beber leite”. “e o bolo que acabei de fazer?”, respondo. Dizem que estão sem fome e deixamos o bolo para o lanche da tarde.

Enquanto eles tomam o café, dou uma espiada na agenda da escola, verificando se não há nenhuma mensagem ou aviso. deixo-os tomando o café e vou me arrumar. quando volto, coloco os uniformes, amarro o tênis de um, escovo o cabelo do outro. quase todo dia, a Maria Clara pergunta “que horas são papai?”. ela gosta de chegar cedo. sempre respondo “ainda temos tempo, tenha calma”. Não demoramos muito para sair, sem antes pegarmos as máscaras e conferirmos a lancheira também (virou rotina após eu trocar os lanches deles). Pronto! Um dos dois chama o elevador enquanto fecho a porta. são só três quarteirões até a escola e seguimos caminhando de mãos dadas. Deixo a Maria Clara em uma das entradas e o Francisco em outra.

Volto para casa e começo a jornada de trabalho, ainda não são 07:30, sigo trabalhando até a hora de buscar as crianças. Antes de sair, deixo a mesa pronta para o almoço. ultimamente, tenho saído de casa mais tarde, as crianças pediram para conseguirem brincar e trocar figurinhas. chego à escola, e, quando eles saem, pelo jeito de andar e como me recepcionam já sei como foi a aula, se estão cansados ou com fome. Durante o caminho de volta para casa, vamos conversando e vou tentando decifrar. Seguimos caminhando, às vezes, o Francisco vai no meu colo, são só três quarteirões.

Chegamos em casa, mochilas penduradas no buffet, coloco no banho um deles, enquanto esvazio as lancheiras e coloco o almoço para esquentar. Se tiver arroz no cardápio, faço na hora. Coloco o segundo no banho, pego os uniformes, coloco para lavar, termino de servir o almoço e sentamos para comer juntos. conversamos sobre assuntos diversos. viraram febre as cartinhas de Pokémon e, se eu deixar, eles só falam sobre as cartinhas novas que trocaram, também falamos sobre o que temos de fazer a tarde.

Terminado o almoço, eles me ajudam a arrumar a mesa. enquanto eu lavo a louça, eles vão brincar, ler ou qualquer outra coisa.

Cozinha limpa, estendo a roupa que coloquei para lavar e, depois de alguns minutos com as crianças, volto para o trabalho.

Com a volta da rotina da escola presencial, eles têm horário para estudar, lanchinho e para brincar durante a tarde.

Enquanto trabalho, sou interrompido algumas vezes por eles, o Francisco, geralmente, aparece de mansinho, cutuca levemente meu ombro, às vezes, ele pede ajuda para ir ao banheiro, em outras, pergunta se já está na hora do lanchinho e tem horas que diz que só quer dar um abraço.

Na pausa do trabalho, tem o lanchinho da tarde deles, verifico as atividades e lições, retornando em seguida para mais algumas horas de trabalho.

Na hora do banho, sigo a mesma estratégia do almoço, enquanto o primeiro entra no banho preparo o jantar, arrumo a mesa. dependendo do dia da semana, sirvo o jantar para eles e ainda preciso seguir com alguma agenda do trabalho ou aula., quando termino, eles já jantaram e estão vendo algum desenho. aproveito para comer alguma coisa e ficamos por ali. Cuido da louça do jantar, preparo o lanche e o uniforme da escola. deixo tudo na sala para o dia seguinte.

Próximo a hora de dormir, todo mundo escova os dentes, escolhemos um livro para lermos um pequeno trecho, conversamos sobre ele, se o sono ainda não chegou, conversamos e brincamos um pouco ali na cama mesmo. Depois deitamos para, enfim, dormimos.

É assim quase todos os dias, nem sempre nesta ordem, nem sempre dá para fazer tudo, imprevistos e desafios se apresentam sem avisar. Mais consciente das decisões do que tenho de fazer e quero ser. me esforço para estar presente no presente.

Não tem nada de extraordinário no meu dia, eu sei. sou pai, realmente sou pai. meu dia é repleto de coisas ordinárias, coisas pequenas, simples. é nessas pequenas coisas, nesses cuidados, é no toque, no estar junto que crio o vínculo com meus filhos

Encontrei amor nas pequenas coisas, pano de fundo para as histórias que escrevo

Já se passaram cinco anos desde que a mãe dos meus filhos faleceu, na verdade, foi ontem. Daqui sigo deixando tudo registrado para que meus filhos leiam em algum momento no futuro. Talvez, um dia, eles leiam estas histórias, um dia qualquer. não importa, mas, quando e se isso acontecer, desejo que eles tenham a certeza de que essa foi a melhor história que eu escrevi sobre um homem que descobriu, na morte, a si próprio.

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